por
Alberto Cunha
Os motetos de Taubaté são assim denominados porque foram encontrados nessa cidade paulista pelo musicólogo Régis Duprat e sua equipe.
São composições corais sacras de autoria anônima que datam do século dezoito e consideradas das mais antigas obras musicais escritas no Brasil. São oito, ao todo: Pater mi, Bajulans, Angariaverunt, O vos omnes, Exeamus, Filiae Jerusalem, Popule meus e Domine Jesu.
Deste conjunto, vou comentar o moteto O vos omnes. O termo moteto refere-se a uma composição com texto sacro, mas não pertencente à liturgia. O texto de O vos omnes é bíblico (Lamentações de Jeremias, 1, 12):

O vos omnes, qui transitis per viam, attendite et videte, si est dolor sicut dolor meus.
[Ó, vós todos os que passais pelo caminho, atendei e vede se há dor semelhante à minha.]
Muitos compositores musicaram estas palavras, de modo que há várias peças intituladas “O Vos Omnes” na história da música. Esta de autor anônimo é uma composição para coro misto a quatro vozes, em estilo derivado do Classicismo europeu do século dezoito.
Para ilustrar musicalmente o texto forte, o compositor recorre a elementos que intensificam a expressividade inerente ao lamento. A tonalidade menor é emblemática. A insistência representada pela repetição de certas palavras também remete a um sentimento de aflição de alguém que busca consolo ao chamar a atenção de outras pessoas para a sua dor. A fermata no compasso 30 é muito expressiva: a interrupção do discurso nos deixa de fôlego suspenso e o breve silêncio que se segue (o tempo para a respiração dos baixos) é de alta carga emotiva. A peça conclui serenamente, inclusive com um artifício que havia sido muito comum no período barroco – o de terminar com um acorde maior a música que está em tonalidade menor. O nome técnico desse procedimento é terça de Picardia (os contraltos cantam, no último compasso, um MI natural, ao invés do MI bemol esperado).
Ouçam o moteto na interpretação do CORALUSP, sob minha regência.